Por Arthur Mendes Lobo*
A perícia judicial constitui um conjunto de procedimentos técnico-científicos. O seu objetivo é elucidar ao juiz os elementos necessários à solução do litígio ou à constatação de um fato. O laudo deve seguir normas jurídicas e profissionais específicas. Em abril de 2019, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça decidiu que “tanto o CPC/73 como o CPC/15 estabelecem que o julgador não está adstrito ao laudo pericial, e, constatando que a matéria não foi suficientemente esclarecida, seja por não ter esgotado o estudo técnico dos fatos a serem provados, seja por falta de precisão, clareza ou certeza quanto a determinado dado relevante, pode determinar a realização de uma segunda perícia, a fim de corrigir eventual omissão ou inexatidão dos resultados a que a primeira conduziu.” A Corte Superior também entendeu que “não há regra em nosso ordenamento jurídico que imponha seja realizada a segunda perícia, na hipótese de insuficiência da primeira, tampouco que se faça aquela pelo mesmo profissional que efetivou esta, incumbindo ao julgador, no exercício do livre convencimento motivado, avaliar as circunstâncias concretas.” (STJ – REsp 1758265/PR, Rel. Ministra Nancy Andrighi, DJe 04/04/2019).
Em outubro de 2019, o Tribunal de Justiça de São Paulo decidiu que: se a perícia oficial não foi clara, impossibilitando qualquer juízo de certeza sobre se há montante a receber pela parte exequente ou se a obrigação foi devidamente cumprida pela parte executada, “é necessária a realização de perícia complementar, a fim de que o perito deixe bem claro o ponto controvertido” (TJSP – Apelação Cível 0004244-24.2017.8.26.0568, 16/10/2019).
Ao que tudo indica, a Corte Paulista orienta-se pela interpretação de que a designação de complementação da perícia ou de realização de nova perícia é um poder-dever, e não uma mera faculdade do magistrado, o que implica, em certa medida, em uma imposição normativa para a realização da segunda perícia. Basta ver que, em setembro de 2019, o TJSP decidiu que: “na vigência do artigo 480 do CPC/2015, como já referido acima e repete-se, novamente, se o magistrado formulou dúvida quanto a estar convicto da resposta jurisdicional que deverá dar a partir do laudo pericial realizado, o entendimento é o de que, neste caso, ‘deverá’ e não ‘poderá’ determinar a realização de nova perícia.” (TJSP – Agravo Regimental Cível 2166386-25.2019.8.26.0000, 04/09/2019).
Quando o laudo oficial possui lacunas, as mesmas devem ser sanadas. Em outras palavras, sendo o laudo inconclusivo, é necessária a reabertura da fase de instrução probatória, a fim de que seja produzida nova perícia, por profissional capacitado para tanto, sob pena de cercear o direito de defesa.
Mas existiria diferença entre segunda perícia e perícia subsequente à anulada?
Sim, os efeitos processuais são diferentes: a) a segunda perícia ocorre quando o objeto da primeira perícia não foi suficientemente esclarecido. Há dúvida quando aos métodos e critérios adotados pelo perito. Chama-se “segunda perícia” porque a primeira é válida. O segundo laudo será realizado com os mesmos quesitos da perícia anterior. Só no momento da valoração pelo juiz é que as duas perícias deverão ser consideradas e comparadas; b) já na hipótese de anulação, a perícia subsequente a substitui a perícia anulada. Não cabe a consideração da primeira.
Um aspecto semelhante ambas situações é que tanto a anulação quanto a designação da segunda perícia podem ser determinadas, de ofício (pelo juiz, pelo Relator ou Tribunal), a requerimento da parte ou do Ministério Público.
*Arthur Mendes Lobo é doutor em direito processual civil pela PUC-SP, professor de Direito Empresarial da UFPR e sócio no Wambier, Yamasaki, Bevervanço e Lobo Advogados