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Tag Archive for: Dr. Arthur Lobo

Lei da Pandemia – Direito de Arrependimento – Proteção do Fornecedor Delivery.

Por Arthur Mendes Lobo*

 


O direito de arrependimento (art. 49, CDC) e a resilição unilateral (art. 473, CC) são situações jurídicas que não se confundem. O arrependimento é uma condição resolutiva puramente potestativa admitida por lei: o consumidor desfaz o contrato imotivadamente por vontade unilateral, desde que o faça nos 07 dias contados do recebimento do produto ou serviço, ficando isento de pagar qualquer multa por não se tratar de inadimplemento contratual.

 

Mas uma nova regra prevista no art. 8º da chamada Lei da Pandemia (Lei 14.010/2020, publicada em 12.06.2020) passou a prever que, nas vendas “delivery”, por telefone ou internet, o consumidor não pode exercer o direito de arrependimento. A restrição se aplica às compras de dois tipos de produtos essenciais: i) os bens perecíveis ou de consumo imediato, como os casos de pedidos de comida por “delivery”; e ii) os medicamentos.

 

A nova regra vale até o dia 30/10/2020 e altera temporariamente o chamado “prazo de reflexão do consumidor” para proteger os fornecedores de bens essenciais.

 

Nesse período, o comprador não poderá simplesmente desistir do negócio. Para desfazê-lo deverá apresentar um motivo relevante que evidencie inadimplemento ou vício do produto, por exemplo: i) quando extrapolado o prazo de entrega; ii) quando o produto não corresponder à mercadoria solicitada; iii) quando a quantidade for inferior à contratada; ou iv) quando o produto entregue apresentar algum defeito que o torne inútil, depreciado, prejudicial ou impróprio ao consumo. Nestas hipóteses, sim, é possível a extinção unilateral do contrato (qualquer que seja a mercadoria) e, a depender das circunstâncias e provas, uma indenização por perdas e danos.

 


Arthur Mendes Lobo

*Arthur Mendes Lobo é doutor em direito processual civil pela PUC-SP, professor de Direito Empresarial da UFPR e sócio no Wambier, Yamasaki, Bevervanço e Lobo Advogados

 

 

Nova Perícia

Por Arthur Mendes Lobo*

 


A perícia judicial constitui um conjunto de procedimentos técnico-científicos. O seu objetivo é elucidar ao juiz os elementos necessários à solução do litígio ou à constatação de um fato. O laudo deve seguir normas jurídicas e profissionais específicas. Em abril de 2019, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça decidiu que “tanto o CPC/73 como o CPC/15 estabelecem que o julgador não está adstrito  ao  laudo  pericial,  e, constatando que a matéria não foi suficientemente  esclarecida,  seja  por  não  ter esgotado o estudo técnico  dos  fatos  a  serem  provados, seja por falta de precisão, clareza  ou  certeza  quanto  a  determinado  dado  relevante,  pode determinar  a  realização  de uma segunda perícia, a fim de corrigir eventual  omissão  ou  inexatidão  dos  resultados  a que a primeira conduziu.” A Corte Superior também entendeu que “não há regra em nosso ordenamento jurídico que imponha seja realizada a segunda perícia, na hipótese de insuficiência da primeira, tampouco que se faça aquela pelo mesmo profissional que efetivou esta, incumbindo ao julgador, no exercício do livre convencimento motivado, avaliar as circunstâncias concretas.” (STJ – REsp 1758265/PR, Rel. Ministra Nancy Andrighi, DJe 04/04/2019).

Em outubro de 2019, o Tribunal de Justiça de São Paulo decidiu que: se a perícia oficial não foi clara, impossibilitando qualquer juízo de certeza sobre se há montante a receber pela parte exequente ou se a obrigação foi devidamente cumprida pela parte executada, “é necessária a realização de perícia complementar, a fim de que o perito deixe bem claro o ponto controvertido” (TJSP – Apelação Cível 0004244-24.2017.8.26.0568, 16/10/2019).

Ao que tudo indica, a Corte Paulista orienta-se pela interpretação de que a designação de complementação da perícia ou de realização de nova perícia é um poder-dever, e não uma mera faculdade do magistrado, o que implica, em certa medida, em uma imposição normativa para a realização da segunda perícia. Basta ver que, em setembro de 2019, o TJSP decidiu que: “na vigência do artigo 480 do CPC/2015, como já referido acima e repete-se, novamente, se o magistrado formulou dúvida quanto a estar convicto da resposta jurisdicional que deverá dar a partir do laudo pericial realizado, o entendimento é o de que, neste caso, ‘deverá’ e não ‘poderá’ determinar a realização de nova perícia.” (TJSP – Agravo Regimental Cível 2166386-25.2019.8.26.0000, 04/09/2019).

Quando o laudo oficial possui lacunas, as mesmas devem ser sanadas. Em outras palavras, sendo o laudo inconclusivo, é necessária a reabertura da fase de instrução probatória, a fim de que seja produzida nova perícia, por profissional capacitado para tanto, sob pena de cercear o direito de defesa.

Mas existiria diferença entre segunda perícia e perícia subsequente à anulada?

Sim, os efeitos processuais são diferentes: a) a segunda perícia ocorre quando o objeto da primeira perícia não foi suficientemente esclarecido. Há dúvida quando aos métodos e critérios adotados pelo perito. Chama-se “segunda perícia” porque a primeira é válida. O segundo laudo será realizado com os mesmos quesitos da perícia anterior. Só no momento da valoração pelo juiz é que as duas perícias deverão ser consideradas e comparadas; b) já na hipótese de anulação, a perícia subsequente a substitui a perícia anulada. Não cabe a consideração da primeira.

Um aspecto semelhante ambas situações é que tanto a anulação quanto a designação da segunda perícia podem ser determinadas, de ofício (pelo juiz, pelo Relator ou Tribunal), a requerimento da parte ou do Ministério Público.

 


Arthur Mendes Lobo

*Arthur Mendes Lobo é doutor em direito processual civil pela PUC-SP, professor de Direito Empresarial da UFPR e sócio no Wambier, Yamasaki, Bevervanço e Lobo Advogados

 

 

Dr. Arthur Mendes Lobo, ministrou a palestra “Negócios Jurídicos Processuais” no IV Congresso Internacional Luso Brasileiro em Direito Processual e Constitucional.

Na última quinta-feira 30/08, Arthur Mendes Lobo, sócio do nosso escritório e professor da UFPR, ministrou a palestra “Negócios Jurídicos Processuais“, no IV Congresso Internacional Luso Brasileiro em Direito Processual e Constitucional. Participaram do evento professores das Universidades de Coimbra, do Porto, Nova de Lisboa e Del Salento.

 

 

 


 

A proteção ao patrimônio dos sócios

Por Arthur Mendes Lobo*

 


O novo procedimento do incidente de desconsideração da pessoa jurídica disciplinado pelo Código de Processo Civil (CPC) é um importante avanço na preservação dos direitos fundamentais. Traz maior segurança jurídica para sócios e empresários ao impor observância do contraditório. E evita surpresa à parte, tumulto processual que, não raro, é observado em alguns processos.
Se aplicada com razoabilidade, garantindo o devido processo legal, a técnica pode evitar prejuízos decorrentes de simulações, fraudes e ocultação de patrimônio, ao trazer mecanismos para tornar ineficazes práticas ilícitas do devedor. A teoria, porém, só pode ser invocada se não estiver prescrito o crédito fraudado ou simulado.
É relevante o alinhamento do novo CPC à jurisprudência pacificada. Ele deixou, por exemplo, mais explícita a necessidade de se observar o direito de ampla defesa, bem como disciplinou a desconsideração da
pessoa jurídica na forma “inversa” – quando se adentra ao patrimônio da sociedade para pagamento de dívida pessoal do sócio.

A decisão judicial que decreta a desconsideração da personalidade jurídica somente resolve uma questão processual

A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ) já se manifestou nesse sentido: “A falta de citação do sócio, por si só, na hipótese de desconsideração da personalidade jurídica da sociedade, não induz nulidade, que somente deve ser reconhecida nos casos de efetivo prejuízo ao exercício da ampla defesa, o que não ocorreu no caso em apreço. Inaplicabilidade do art. 135 do Código de Processo Civil de 2015 à luz do princípio ‘tempus regit actum’.” (STJ – AgInt nos EDcl no REsp 1422020/SP, Rel.
Min. Ricardo VIllas Bôas Cueva, 3ª Turma, julgado em 24/04/2018).

A observância do contraditório e da ampla defesa evitam decisões injustas e descabidas, como por exemplo, quando a pessoa jurídica não paga porque simplesmente não tem patrimônio. Ou então quando promoveu uma dissolução irregular perante a Junta Comercial, sem incorrer em fraude ou simulação. O STJ tem entendido que: “a mera insolvência da pessoa jurídica ou sua dissolução irregular sem a devida baixa na junta comercial, por si sós, não ensejam a desconsideração da personalidade jurídica” (STJ – AgInt nos EDcl nos EDcl no AREsp 1117129/SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, 3ª Turma, julgado em 10/04/2018; no mesmo sentido: AgInt no AREsp 1204607/SP, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, 3ª Turma, julgado em 15/03/2018).

Neste sentido, o STJ já disse que “para aplicação da teoria maior da desconsideração da personalidade jurídica (art. 50 do CC/2002), exige-se a comprovação de abuso, caracterizado pelo desvio de finalidade (ato intencional dos sócios com intuito de fraudar terceiros) ou confusão patrimonial, requisitos que não se presumem mesmo em casos de dissolução irregular ou de insolvência da sociedade empresária. (…) deve ser garantida aos sócios a possibilidade de produzirem prova apta, ao menos em tese, a demonstrar a ausência de conduta abusiva ou fraudulenta no uso da personalidade jurídica, sob pena de indevido cerceamento de defesa.” (STJ – REsp 1572655/RJ, Rel. Min. Ricardo VIllas Bôas Cueva, 3ª Turma, julgado em 20/03/2018).

O STJ também entende que, se o sócio tiver apenas um único bem imóvel que sirva de morada, não tendo outros bens penhoráveis, a penhora não pode recair sobre esse bem de família: “a desconsideração da personalidade jurídica, por si só, não afasta a impenhorabilidade do bem de família, inclusive no âmbito da falência, não se podendo, por analogia ou esforço hermenêutico, superar a proteção conferida à entidade familiar, pois as exceções legais à impenhorabilidade devem ser interpretadas restritivamente.” (STJ – AgInt no REsp 1669123/RS, Rel. Des. Lázaro Guimarães, 4ª Turma, julgado em 15/03/2018).

Decisão recente do tribunal diz também ser impossível que a desconsideração atinja o patrimônio do acionista minoritário: “apenas os administradores da sociedade anônima e seus acionistas controladores podem ser responsabilizados pelos atos de gestão e pela utilização abusiva da empresa”. (STJ – AgInt no AREsp 331.644/SP, Rel. Min. Maria Isabel Gallotti, 4ª Turma, julgado em 06/02/2018).

Da mesma forma entende o Tribunal de Justiça de São Paulo: “somente cabe responsabilizar o sócio com poderes de administração, não demonstrada a participação do sócio minoritário no ato irregular que ensejou a adoção da medida excepcional.” (TJSP- A.I. 2250711-98.2017.8.26.0000, Rel. Des. Melo Colombi; 14ª Câmara de Direito Privado; julgado em 06/03/2018).

A premissa é de que o sócio-administrador age com dolo ou culpa no ato abusivo, sendo que o sócio minoritário responde apenas excepcionalmente, ou seja, quando sua conduta omissiva ou comissiva contribuiu para a ocorrência do evento que autoriza a desconsideração da personalidade jurídica. Nesse sentido vai o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul: “Descabe a inclusão de sócio minoritário no polo passivo da execução, em razão da desconsideração da personalidade jurídica, quando não possui cargo de gestão, nem tampouco comprovado que tenha concorrido para a dissolução irregular da empresa executada.” (TJRS – Apelação Cível Nº 70075687186, 10ª Câmara Cível, Rel. Jorge Alberto Schreiner Pestana, julgado em 26/04/2018).

É importante destacar, porém, que a decisão judicial que decreta a desconsideração da personalidade jurídica somente resolve uma questão processual, determinando que o sócio se torne parte executada, mas não implica sua condenação.

*Arthur Mendes Lobo é doutor em direito processual civil pela PUC-SP, professor de Direito Empresarial da UFPR e sócio no Wambier, Yamasaki, Bevervanço e Lobo Advogados

 


Fonte: http://www.valor.com.br/legislacao/5606673/protecao-ao-patrimonio-dos-socios

A moda das recuperações judiciais


Por Arthur Mendes Lobo* |


Um assunto em ascensão no mercado financeiro e nas grandes empresas é a repercussão da recuperação judicial, a demora do processo, as poucas chances de recebimento do crédito e o medo da falência. O medo da falência serve de alerta, exige prudência da devedora e redobra a necessidade dela: a) informar com máxima transparência a contabilidade da empresa devedora; b) elaborar um plano factível, sem expectativas ilusórias, propostas enganosas e condições de pagamento abusivas; e c) respeitar os princípios da colaboração mútua e da participação, de modo a considerar a opinião dos credores na busca de estratégias para superação da crise, ou seja, um plano não pode ser unilateral. Pelo contrário, deve ser construído com diálogo, ética, mediação e consenso da maioria.

Dr. Arthur Mendes Lobo

O medo da falência não pode servir como único argumento para aprovação de um plano de recuperação. A devedora deve convencer os credores, em Assembleia, sobre a viabilidade econômica do seu plano. Não parece ético, nem tampouco lícito, ameaçar: “ou aprovam o meu plano ou ninguém receberá nada porque a empresa vai falir”. Isso pode anular a deliberação por caracterizar coação, erro ou dolo.

O medo da falência não pode servir como fundamento para alterar um plano já aprovado e que não foi cumprido. A Lei 11.101/05 prevê que se o plano for descumprido o juiz decretará a convolação em falência (art. 61, §1º). Então, via de regra, se qualquer condição ou meta prevista no plano vier a ser descumprida, a quebra deve ser decretada. Obviamente, que essa regra não é absoluta. Por outro lado, o mercado é dinâmico e a economia pode sofrer situações imprevisíveis. Então, se, por exemplo, a recuperanda demonstrar que um evento imprevisível e extraordinário (não antevisto quando da aprovação do plano) tornou impossível a recuperação, a alteração do referido plano pode ser autorizada, desde que aprovada por nova Assembleia Geral de Credores, especialmente convocada para aprovar as modificações, e na sequência homologada pelo juiz.

O medo da falência não pode ser motivo para deixar de decretar a falência. Em outras palavras, é melhor quebrar uma empresa inviável economicamente, do que permitir que um processo de recuperação judicial se arraste por longos anos. Até o ano de 2005, quando era vigente o Decreto-Lei 7.661/45, a falência significava a imediata paralisação das atividades. As empresas falidas viravam um verdadeiro “elefante branco” nas cidades.

Raramente alguém comprava seus ativos porque sabia que herdaria o passivo, principalmente as dívidas trabalhistas e tributárias. E quando comprava, pagava um valor irrisório, justamente porque assumia riscos perante credores. Assim, a massa falida raramente conseguia pagar os credores. O impacto social era extremamente negativo. Após a vigência da Lei 11.101/05, isso mudou profundamente. Agora, a falência não necessariamente interrompe as atividades de uma empresa. As atividades podem continuar sem parar por nenhum dia sequer. Basta que o juiz, o administrador judicial, a devedora e os credores atuem de maneira orquestrada, com recíproca colaboração para manter a função social. Por exemplo, o juiz pode determinar que as atividades continuem, sob a administração do administrador judicial ou de um gestor judicial até que o estabelecimento comercial seja vendido. Isso preserva os empregos, o interesse dos fornecedores, o recolhimento de tributos, enfim, atende a função social da empresa e diminui as chances de depreciação dos seus ativos. Por sua vez, a busca por compradores deve ser um esforço de todos os envolvidos, para que os ativos sejam rapidamente vendidos e as dívidas mais emergenciais sejam imediatamente pagas.

Tanto a falência não é necessariamente algo ruim, que existe o direito ao pedido de autofalência. A falência pode ser um caminho interessante para solucionar diversos problemas do empresário-devedor. Ele pode liquidar mais rapidamente os seus ativos e, assim, pagar o passivo ou parte dele sem conceder privilégios abusivos a determinados credores, o que pode evitar processos alegando cometimento de fraude e até a desconsideração da pessoa jurídica.

A venda de ativos da massa falida ocorre, hoje, sem sucessão tributária ou trabalhista, o que contribui para a aquisição pelo preço de mercado (art. 141, inciso II, Lei 11.101/2005). Ou seja, hoje, a lei tem mecanismos para a maximização dos ativos que não existiam antigamente. Assim, é possível dizer que, de um modo geral, a coletividade (empregados, credores e a comunidade em geral) não precisa necessariamente ter medo da falência.

A falência tem, sim, uma função social importante que, em algumas situações, pode ser mais eficaz e vantajosa que uma recuperação ilusória e inviável. Às vezes é melhor falir imediatamente uma empresa que não tem condições econômico-financeiras de se recuperar, do que esperar (e esperançar), por longos meses, por força do fantasioso medo da falência, a superveniência de graves efeitos adversos, tais como: a) depreciações; b)agravamento dos prejuízos; c) aumento do passivo; d) desligamento de colaboradores-chave; e) aumento dos créditos extraconcursais, dentre outros. Em suma, se a recuperação é um remédio, esse remédio não pode matar o doente.

*Doutor em Direito pela PUC-SP, Professor de Direito Empresarial e Direito do Trabalho da Universidade Federal do Paraná e advogado sócio do Escritório Wambier, Yamasaki, Bevervanço & Lobo Advogados.


Fonte: http://politica.estadao.com.br/blogs/fausto-macedo/a-moda-das-recuperacoes-judiciais/