Por Luiz R. Wambier e Patrícia Yamasaki*
O transporte ferroviário seria o meio mais eficaz – seja do ponto de vista econômico; de segurança ou ambiental- para o escoamento da produção nacional em um país como o Brasil, com dimensões continentais. Mas essa não é a realidade brasileira. Por um erro político histórico, a maior parte dos investimentos públicos foi destinada para a construção de malha rodoviária, incapaz de atender as demandas brasileiras.
O governo federal, ciente das repercussões negativas dessa escolha, vem tentando expandir o transporte ferroviário ao longo das últimas décadas. Isso depende, no entanto, de pesados investimentos.
Uma maneira de tentar captar esses recursos foi a introdução da prorrogação antecipada de concessões, por meio da Medida Provisória n° 752/2016, depois convertida na Lei Federal n. 13.448/2017. Uma modalidade até então inédita para as concessões de ferrovia, mas já utilizada em outros setores.
A prática demonstra que a quebra de contratos traz consigo perdas de muitas ordens, que podem ser evitadas em projetos de longo prazo
Os contratos de concessão ferroviária hoje vigentes no Brasil foram celebrados entre 1980 e 2000. Todos firmados por prazo determinado, variando o período da concessão, mas prevendo a possibilidade de prorrogação. O que deveria ser exercida no período indicado nos contratos, que variam de 1a 10 anos antes do termo final.
A Lei 13-448/2017 consiste na possibilidade de prorrogação do contrato antes mesmo que se aproxime seu termo final, mediante novos investimentos na malha ferroviária. Ou seja, garante a continuidade do contrato por maior tempo, o que permite o retorno financeiro às concessionárias, uma vez que amortiza investimentos e aumenta taxa de rentabilidade.
A Procuradoria-Geral da República, no entanto, arguiu a inconstitucionalidade da lei perante o Supremo Tribunal Federal (STF). A PGR defende que “embora a Constituição preveja a possibilidade de prorrogação dos contratos de concessão no art. 175, parágrafo único, I, essa prorrogação só não pode ser permitida- muito menos realizada- em desacordo com os ditames constitucionais que norteiam a administração pública”.
A Constituição Federal, em seu art. 175 estabelece que a lei disporá sobre as condições para prorrogação dos contratos de concessão. Por sua vez, a Lei 8.987/95 prevê que as condições para prorrogação devem ser disciplinadas no próprio contrato de concessão. De maneira geral, essas cláusulas dispõem que, havendo interesse de ambas as partes, a prorrogação é possível, desde que o concessionário não seja reincidente em condenação administrativa ou judicial por abuso de poder econômico e tenha mantido serviço adequado.
Embora exista na Constituição disciplina geral sobre a prorrogação dos contratos, na prática, havia dúvida sobre os critérios para considerar o serviço prestado adequado. A Lei 13-448/2017 buscou solucionar esta questão, permitindo que os contratos de concessão qualificados no âmbito do Programa de Parcerias de Investimentos (PPI) fossem prorrogados e estabelecendo critérios objetivos para análise dessa adequação.
Não se vê, portanto, qualquer vicio de inconstitucionalidade na mencionada lei. O fato de os critérios para verificação da adequação do serviço, para fins de prorrogação antecipada do contrato, diferirem daqueles previstos nos contratos originais, ou serem reputados insuficientes à tal verificação, não tem o condão de transformar o serviço prestado pela concessionária em inadequado.
Continuam existindo critérios objetivos, que deverão ser avaliados em cada caso concreto, levando em consideração os valores constitucionais exigíveis aos serviços públicos. É fundamental ressaltar que a Lei 13.448/2017 elegeu critérios essenciais para a medição da adequação dos serviços, tais como o cumprimento de metas de produção e segurança.
Também não se vê afronta à exigência de licitação. O processo licitatório visa assegurar uma contratação eficiente e economicamente vantajosa para o Poder Público. Mas a abertura desse processo não é o único meio disponível para se alcançar tal objetivo.Tanto é assim, que a Lei 8.666/93 excepciona a exigência de licitação em alguns casos, como situações de emergência, calamidade pública ou notória especialização.
A prática demonstra que a quebra de contratos traz consigo perdas de muitas ordens, que podem ser evitadas em projetos de longo prazo e maior comprometimento que sejam mais vantajosos à prestação dos serviços.
A lentidão governamental em prorrogar as concessões ferroviárias apenas perpetua a situação atual, sendo incapaz de corrigir os erros históricos relativos à ausência de investimento no setor ferroviário.Para consolidar o uso do transporte ferroviário é preciso que o governo federal assuma postura mais ativa e, até mesmo, agressiva, propondo medidas capazes de realmente atrair o interesse de investidores no setor.Isso, se dá, sobretudo, em relações de longa duração que permitam retorno financeiro.
Luiz Rodrigues Wambier e Patrícia Yamasaki são, respectivamente, doutor em direito pela Pontificia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), professor no programa de mestrado em direito do Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP); MBA em Direito Empresarial pela Fundação Getúlio Vargas (FGV), sócios dos escritório Wambier, Yamasaki, Bevervanço & Lobo Advogados
Fonte:https://www.valor.com.br/legislacao/5914403/prorrogacao-de-concessoes-ferroviarias?utm_source=Facebook&utm_medium=Social&utm_campaign=Compartilhar&fbclid=IwAR0LxhY_EYOa6AnBJhtF19B_9CGNTMoypJ-UTP9hfCb1sNXMijEDatheDyg